sexta-feira, 24 de julho de 2009

Localização de funções do cérebro: a FRENOLOGIA (resumo)

Bem antes da revolução cognitivista, das programações neurolinguísticas e dos neurocientistas aparecerem na TV e nas revistas científicas tentando explicar qualquer ação humana por meio de funções específicas em locais específicos do cérebro, um grupo de cientistas e fisiologistas já se ocupava de entender com que grau de precisão somos capazes de localizar nossas funções no cérebro. Entre várias teorias que surgiram no século XIX, uma das mais populares e conhecidas foi a frenologia. Foi também a primeira grande teoria da localização das funções no cérebro.

Segundo seus defensores, as diferentes "faculdades" humanas poderiam ser encontradas e identificadas em certas áreas do cérebro bem definidas. No seu início, foi uma tentativa científica legítima de estudar a função do cérebro, mas acabou virando uma pseudociência típica do populacho norte-americano do século XIX. Praticamente todo estudante de Psicologia acaba entrando em contato com a frenologia em determinado momento de sua grade curricular, e normalmente a vê "caricaturizada como um bizarro beco sem saída da ciência, no qual charlatães liam o caráter com base nas protuberâncias da cabeça das pessoas" (Goodwin, 2005, p. 89). Na realidade, a história é bem mais complicada que isso. E muito do que é o pensamento da psicologia norte-americana teve sua origem no movimento frenológico.

O alemão Franz Josef Gall (1758-1828) é normalmente (e infelizmente, para ele) apontado como o criador da frenologia. Grande anatomista, ganhou seu lugar na história por identificar as fibras que conectavam os dois hemisférios e confirmar a função contralateral. Gall também comparou as estruturas cerebrais de diferentes espécies e defendeu o argumento de que "as habilidades mentais de diferentes espécies correlacionavam-se ao tamanho e complexidade do cérebro, especialmente o córtex." (Goodwin, 2005, p. 89) Além disso tudo, Gall ainda argumentou que as circunvoluções cerebrais seguiam o mesmo padrão dentro de cada espécie; por conseguinte, a superfície do cérebro não era uma mixórdia aleatória de vales e cristas, mas obedecia a uma estrutura previsível.

Apesar da porção de descobertas importantes, sua "cranioscopia" (nome dado por ele àquilo que viria a se tornar a frenologia) é que lhe deu fama, pois foi pioneira em afirmar que o cérebro era o órgão dos componentes intelectuais e emocionais da mente. Seus métodos, sua lógica, sua localização e identificação das funções, porém, eram falhos. Desde cedo Gall imaginava ter encontrado provas de que o formato da cabeça influenciava nas "faculdades" dos indivíduos, reparando que a memória dos colegas de escola que possuíam olhos salientes era melhor que a sua. Experiências antigas como essa o levaram a buscar consistências que corroborassem sua teoria. O ato de roubar, por exemplo, seria fruto do desenvolvimento excessivo da faculdade de "Propriedade", situada no lobo temporal do córtex, em posição ântero-superior em relação ao ouvido em cerca de 2,5 cm. Goodwin cita Gall afirmando que:

[...]Quando essas partes do cérebro são muito desenvolvidas, geram uma proeminência na cabeça e no crânio. [...] Encontro-a frequentemente em todos os ladrões inveterados encarcerados, em todos os idiotas que tem propensão irresistível a roubar e em todos aqueles que, embora intelectualmente bem-dotados, extraem do roubo um prazer inconcebível, sendo mesmo incapazes de resistir à paixão que os impele a roubar. (Gall, 1825 in Goodwin, 2005)

As convicções de Gall por fim evoluíram para a teoria que seus seguidores denominaram frenologia. A palavra foi cunhada por Johann Spurzheim (1776-1832), colaborador de Gall durante algum tempo, mas depois vindo a romper com este. Spurzheim é o maior responsável pela difusão da frenologia na Europa e nos Estados Unidos. Segundo seu Outlines of Phrenology (1832), reduziam-se os princípios da frenologia a cinco:

1 - O cérebro é o órgão da mente.

2 - A mente compõe-se de um grande número (cerca de 40) de atributos chamados de "faculdades", alguns dos quais são intelectuais; outros, afetivos.

3 - Cada faculdade tem seu local próprio no cérebro.

4 - Certas pessoas são mais dotadas que outras quanto a certas faculdades; nesse caso, têm mais tecido cerebral no local correspondente que as menos dotadas.

5 - Como o formato do crânio corresponde mais ou menos ao do cérebro, a intensidade de várias faculdades pode ser inferida pela forma do crânio.

O último princípio acabou conhecido como a doutrina do crânio, e representava para os frenologistas a chave da mensuração. Tudo o que havia de importante sobre uma pessoa poderia ser conhecido pelo exame da forma de seu crânio. Ns primeiras décadas do século XIX, a frenologia ainda podia ser considerada uma tentativa séria de identificar as funções localizadas no cérebro. Quando Spurzheim lançou o seu Outlines of Phrenology, no mesmo ano em que faleceu (1832), milhares de crânios haviam sido analisados com vista à correlação entre sua forma e o caráter de seus possuidores.

O livro de Spurzheim (assim como a maior parte dos escritos sobre frenologia) tentava levantar provas sugeridas por casos que sustentassem sua teoria, mas, se analisadas de perto, estas provas eram falhas. Não pelo método em si (buscar evidências em casos clínicos é um método bastante utilizado ainda hoje), mas sim pelo fato de que Reuchlin relata todas as experiências que comprovam a frenologia e simplesmente descarta tudo o que contradiz suas conclusões. Assim, sua teoria não permite refutação, desobedecendo a um importante critério das teorias científicas.

Nos Estados Unidos a frenologia atingiu o ápice de sua popularidade, vindo a decair apenas na passagem do século XIX para o século XX, após a criação de métodos de medição mais eficazes (como o teste de QI), e um maior esclarecimento da opinião pública. Mas, do lado de lá do Atlântico, a história é outra...


Referências Bibliográficas:

Goodwin, C. J. História da Psicologia Moderna. São Paulo: Cultrix. 2005.